quinta-feira, 23 de junho de 2016

Sandcastles

"We built sandcastles that washed away
I made you cry when I walked away
And although I promised that I couldn't stay, baby
Every promise don't work out that way"
Viver na Irlanda era maravilhoso, eu ficava cada dia mais afetado por estar ali, entretanto as coisas pareceram ficar cada vez mais insuficientes. Eu rolava no chão, sentia a grama, pulava nos lagos, brincava com todas as criaturas mágicas, dormia em arco íris, mas ainda assim, a cada dia que passava, a satisfação que eu encontrava era menor em estar ali. Eu amo a Irlanda, então por que não fico feliz estando nela? Ou com ela em mim?

Naquele dia me escorei em uma árvore no topo de um monte e fiquei observando o mar agitado que se encontrava do lado de fora do labirinto. Pela primeira vez na vida eu não queria sair dali, eu aceitava aquele meu lugar feliz e tranquilo, longe do Mar, longe do Sol. Só estava insatisfeito, me sentia completo como nunca antes, mas precisava de alguém, uma companhia. É difícil encontrar alguém para te acompanhar e dê certo, sendo que a única coisa que você ama é um local. E eu ficava na Irlanda dia e noite, aproveitando de tudo que ela podia me oferecer.

Enfim, me levantei e encarei uma última vez o por do sol. Deveria sair dali, voltar para as florestas para adormecer protegido pelas fadas. Caminhava então em direção às matas, quando de repente olhei para o chão e visualizei algo que reconhecia, uma pequena concha. Peguei ela, curioso e observei com cuidado, sim, era a mesma concha que a Deusa deixou cair quando eu destruí a Irlanda. Beijei-a com carinho e a deixei no chão, quando uma coisa surpreendente aconteceu. 

A concha começou a modificar-se, alterar sua forma, crescer, uma mistura de movimentos e luz que me encantava. Começou a torna-se uma mulher de beleza estonteante, tinha longos cabelos ruivos cacheados, olhos verdes penetrantes e usava um vestido longo branco com alguns detalhes em lilás. Era a Deusa daquela vez, mas dessa vez parecia muito mais poderosa e determinada,

- Você cresceu bastante, Ícaro. - Ela falou para mim, olhando no fundo dos meus olhos, o que me deixou desconfortável.
- É impressão sua, nada mudou.
- Claro que mudou, talvez não por fora. - Ela abaixou, pegou um trevo de quatro folhas do chão e passou a observá-lo atentamente.
- Por que você está aqui?
- Porque você me chamou. - Ela sorriu e arrancou um fio do próprio cabelo - É incrível o quanto você tem poder sobre o labirinto, vocês se tornaram um só. Nunca pensei que fosse ver a criação de Dédalo obedecer a alguém como te obedece.
- Você está enganada, ele não faz nada por mim, só me prende aqui para sempre.
- Eu, enganada? Eu sou Afrodite, uma Deusa, não estou enganada. Como você acha possível ter esse local dentro do seu labirinto? A Irlanda não pertence à Grécia, você a trouxe até aqui.
- Você disse que eu te chamei, mas eu não te chamei. - Tentei mudar de assunto.
- Claro que chamou, você está me gritando todos os dias, cada vez mais alto. Você implora pela minha presença porque na verdade você anseia por amor. Me diga, Ícaro, amar ou ser amado?
- De de que adianta uma coisa sem a outra?
- Boa resposta. - Ela sorriu e puxou um fio do meu cabelo - Então temos aqui meu fio de cabelo, o seu e um trevo de quatro folhas. Sabe o que isso significa?
- Não.
- Significa que eu vou criar um par perfeito. - Ela fechou as mãos, unindo os itens que carregava, e quando abriu de volta segurava apenas uma semente. - Vem da junção do meu poder, você e do lugar que você mais ama.
- E por que eu mereço tal benção?

Não obtive resposta, apenas um sorriso. Afrodite abaixou-se e plantou a semente no chão com cuidado, então começou a se afastar de mim até virar uma pomba branca e voar para fora dali. Olhei para o chão, confuso, observei a semente germinar de maneira incrivelmente rápida, crescendo cada vez mais. O poder dos Deuses era realmente algo grandioso. Aos poucos a semente se tornou uma roseira gigante, cheia de espinhos e com um único botão de rosa tão grande que poderia servir de cama. 

Me afastei ao ver a rosa desbrochar e de dentro dela sair um rapaz. Ele era bonito e exalava uma poderosa aura de tranquilidade, tão forte que chegou a me atingir e levou embora todas as minhas aflições. Parecia realmente uma mistura de Afrodite com a Irlanda, era simplesmente perfeito e meu. Afinal, foi isso que ela disse, não foi? Que criaria um par perfeito? Então ele se aproximou e segurou minhas mãos, revelando no rosto um sorriso atraente e reconfortante. Seu cheiro era viciante, me fazia arrepiar dos pés à cabeça, me fazia querer apertá-lo, tê-lo perto de mim para sempre. Aquela era a prova de que havia funcionado, eu o amava como amava a Irlanda. Eu o amava por ser a Irlanda.


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