sábado, 1 de outubro de 2016

Lembre-se

Estou correndo, isso é tudo que preciso me preocupar agora. Correr o mais rápido que eu puder, fugir. Olho para trás, a escuridão está me perseguindo incansavelmente. Sinto-a cada vez mais próxima, fria, me puxando como se possuísse garras pegajosas e extremamente fortes. Como cheguei a esse ponto?

Tudo começou a alguns dias, o labirinto começou a se tornar insuportável como nunca havia sido antes, me perturbando a todo momento. Irlanda estava do meu lado, como de costume, mas ele não parecia ser o suficiente para fazer tudo aquilo parar, então decidi dar uma volta sozinho. Caminhei por alguns minutos no silêncio dos corredores, ouvindo apenas o barulho dos meus passos e minha respiração.

Parei um pouco e me sentei no chão, talvez eu estivesse enlouquecendo, talvez o labirinto estivesse a mesma coisa, mas eu estava procurando motivos para me sentir daquela maneira. Por um momento acreditei naquilo, então escutei um som de batida, três vezes. Era como se alguém estivesse batendo em uma janela, mas eu sabia que não havia esse tipo de coisa aqui dentro, pelo menos não por esses lados que eu estava. Alguns segundos depois e ouvi novamente.

Me levantei e esperei pelas próximas batidas, seguindo o som delas assim que aconteceram. Assim segui: parando, ouvindo, procurando. Quando finalmente encontrei a fonte, fiquei surpreso com o que estava vendo, não era uma janela, era um espelho, o que também não fazia sentido nenhum. Objetos não apareciam simplesmente ali dentro, nem pessoas, a não ser que eu convidasse ou que fosse mais poderosos do que eu. E realmente esperei que aquele espelho, ou quem quer que tenha deixado ele ali, não conseguisse superar o poder que eu tinha sobre o labirinto. Cheguei de frente para o objeto, esperando ver o meu reflexo, mas encontrei o de outra pessoa.

- Quem é você? - Perguntei a ele.
- Você.
- Você não se parece nada comigo.
- Não de aparência, mas por dentro nós somos iguais. - Ele sorriu com o canto da boca, o que me deixou apreensivo - Ou pelo menos parecidos.
- Quem te trouxe até aqui? - Continuei a questionar, olhando para os lados no objetivo de ter certeza que estávamos sozinhos.
- Você precisa de mim, eu preciso de você, por isso eu estou aqui.
- E por que diabos eu preciso de você?
- Por que você precisa amar - Dessa vez ele ficou sério e ergueu-se para fora do vidro, até ser uma pessoa real em minha frente.

Dei um passo para trás, assustado. Não me importava agora saber exatamente quem havia colocado aquele espelho ali e nem como. De qualquer maneira, eu sabia que o culpado tinha algo forte o suficiente para mexer comigo. O que aquele menino do outro lado falava havia me incomodado em diferentes níveis da minha mente. Então eu senti o primeiro vento frio, culpado por me causar arrepios dos pés à cabeça.

- O que você fez? - Perguntei assustado, com a voz tremida.
- Eu não fiz nada, você fez.  Você quis que eu te abraçasse, você me deixou assim…. - Ele foi diminuindo o tom de voz, até ficar em completo silêncio.
- Assim?
- Desamparado. - Ele falou, os olhos cheios de tristeza, partindo meu coração em mil pedaços - Eu sei que seu amor é como uma bola de destruição e eu não quero ser destruído.

Talvez nada aqui esteja fazendo sentido, mas é porque realmente não faz, nem para mim, mesmo dentro do labirinto. Só estou contando exatamente como aconteceu, os fatos na ordem certa. Talvez repassar tudo me ajude a compreender quem era esse garoto e porque ele fala de nós como se já nos conhecêssemos antes. Como se eu já tivesse feito algo pra ele antes. Mas a pior parte é que eu realmente sentia algo, uma ligação, como se eu e ele tivéssemos uma coisa muito mais forte do que eu parecia me lembrar.

- Quem é você, afinal?
- Eu sou o Doutor.
- Um médico?

Assim que pronunciei aquelas palavras uma rajada de vento mais forte e gélida do que a anterior invadiu aquele corredor, fazendo com que nós dois olhássemos para a direção de onde ela vinha. Então escutei o barulho ensurdecedor, como se fosse uma enchente chegando cada vez mais próximo de mim, até finalmente conseguir ver as sombras se aproximando, furiosas. Olhei para o Doutor desesperado, esperando alguma reação, mas tudo o que ele disse foi “Corra, garoto esperto. E lembre-se…” antes de correr em direção à escuridão e sumir.

Agi rápido, não parei para pensar, apenas corri no sentido contrário, temendo o que quer que fosse aquela coisa. Pensei que uma hora ela fosse simplesmente sumir ou desistir, mas isso não aconteceu. Então eu continuo correndo sem cansar, repetindo na minha cabeça que essa é minha única preocupação, quando na verdade eu tenho que me lembrar.

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