terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Despertar

Notei que estava preso em um quarto escuro, não conseguia enxergar nem um palmo à minha frente. Comecei a me movimentar devagar, com as mãos postas em frente ao meu corpo, garantia de que eu não bateria com a cara em algum lugar. Poucos passos depois toquei a parede gelada, não exitando em passar os dedos levemente na superfície para sentir sua textura. Pedras grandes, meio úmidas, muito musgo, prova de que eu ainda estava no labirinto. 

Fechei os olhos e respirei fundo, inalando o odor desagradável de mofo, desejei luz e em seguida senti o calor do fogo logo atrás de mim. Quando me virei pude me deparar com um círculo formado pelas chamas, bem no centro do recinto, iluminando todo o local. Era pequeno, sem nenhuma saída, nada com o que eu não estivesse acostumado. A parede era exatamente como eu havia sentido, configuração básica daquele lugar.

Me assustei ao perceber que as labaredas dançavam de maneira incomum, formando imagens familiares. Aos poucos me aproximei delas, apertando os olhos para enxergar precisamente as figuras na luz flamejante. Eu vi dor, causada por orgulho, me vi sendo apunhalado pelas costas, minhas asas quebradas, meus olhos ardendo tão forte quanto as brasas em minha frente, entretanto era pura raiva. Senti aquilo crescer dentro de mim, deixando de ser apenas uma memória, transformando-se em um sentimento.

Repentinamente o fogo se apagou, me deixando novamente na escuridão.

"O que foi isso?" Me perguntei mentalmente, notando também que estava com a respiração pesada e rápida.

"Você mesmo" Escutei a voz ecoar na minha mente.

"Você pode ler minha mente?" Perguntei e prendi o ar, tentando permanecer em completo silêncio para tentar escutar movimentos ao meu redor.

"Sim, não precisa me procurar na sala, eu não estou com você"

"Onde eu estou?"

"Ah, sim, claro." Ele riu, acendendo mais uma vez o círculo no centro. "Você está no lugar mais escuro dentro de si mesmo, preso"

"O quê? Como eu vim parar aqui?"

"Você pediu que os outros sofressem, você quis ver o caos em um labirinto que não te pertence. Você não pode tentar dominar outros labirintos, então eu te coloquei aí"

"Quem é você?"

"Não é relevante no momento. Você só precisa saber de duas coisas. A primeira, é que você ficará sozinho, observando cada ser para quem desejou coisas ruins, você os verá nas chamas, até o momento em que eles sintam dor. A segunda é que se isso não acontecer, se o que você planejou não se realizar, então você ficará para sempre observando-os, criando padrões na sua cabeça, procurando sair da situação que você se colocou."

"Por quê?" Perguntei assustado. Eu não sabia quem era essa pessoa, mas por algum motivo, pelo fato dela estar dentro da minha cabeça, por conseguir me prender dentro do meu próprio labirinto, sabia que ela não estava mentindo.

"Para você aprender que seu poder aqui é limitado, que você não é nada perto de mim e o mais importante, que tudo tem um preço" Houve uma pausa inquietante, então a voz continuou. 

"Entretanto, não precisa se preocupar tanto, você tem uma outra opção"

"E qual seria essa opção?"

"Seguir em frente, se permitir perder todo esse poder negativo que você absorveu, se fragilizar."

"Perder isso não me deixa frágil, eu tenho outras maneiras de me proteger" Assim que terminei de falar escutei uma gargalhada gélida, que me causou arrepios dos pés á cabeça.

"Eu não disse que seria esse o motivo da sua fragilidade. Sei muito bem que existem coisas que te deixam muito mais impotente aqui, porém, não temos tempo, você precisa se decidir. Quer seguir em frente, ou quer sua vingança?"

O que seria seguir em frente? Engolir meu orgulho, ver as coisas continuarem sem que eu pudesse interferir? E o que era aquilo sobre me tornar frágil? Definitivamente eu não queria me tornar um alvo fácil para o labirinto, mas eu também não queria correr o risco de ficar preso ali para sempre. Abri minhas asas, sentindo-as quase se dobrarem contra as paredes dali. Preso. Aquilo era errado. Meu destino é sair do labirinto, eu não podia correr o risco de ficar trancado em um local sem saída, ficar ali, rever tudo aquilo, esperando uma espécie de encerramento só me traria mais dor.

Então eu senti uma presença, um cheiro reconfortante. Olhei para o lado e vi olhos em um azul tão claro, que eu poderia mergulhar neles como se fossem piscinas. O menino se aproximou, segurou minha mão e eu senti o mundo cair. Foi como se eu estivesse segurando um peso e de repente tudo aquilo tivesse desaparecido. A sala sumiu e eu consegui me ver em um corredor comum do labirinto, com uma sensação estranha de que qualquer coisa poderia acontecer a qualquer momento.

- Você está bem? - Ouvi a voz afetuosa atrás de mim, me virando e dando de cara com os mesmos olhos que estavam na sala, só que dessa vez me liam curiosamente.

- Não sei. Eu me sinto estranho, despreparado. - Eu havia entendido o que a voz queria dizer com me fragilizar e aquilo só me deixou mais assustado. Tinha outra pessoa no meu labirinto, o que só podia significar que eu seria marcado por ele.

- Eu causo esse efeito nas pessoas. - O menino falou e sorriu, mostrando todos os dentes, o que, mais uma vez, fez o meu mundo cair.




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